segunda-feira, 12 de julho de 2010

Civilização

A incrível parafernália de bens materiais em que a ciência, a técnica e, mais comezinhamente, o negócio nos têm sem cessar mergulhado leva-nos a supor que somos imensamente importantes e imensamente civilizados. A verdade é que este conceito de civilização apenas nos tem tornado mais egoístas, mais arrogantes - e menos escrupulosos. Ser alguma coisa na vida é "ter"; e, para se "ter", o que se diz "ter", é bom que não haja empecilhos morais a tolherem-nos. E depois há o desdém, ostensivo ou apenas íntimo, pelos que ficam de fora desse mundo reluzente da civilização.
Civilização é, evidentemente, um conceito cultural. E, de tal modo estamos imbuídos deste conceito que faz coincidir civilização com abundância de bens materiais, que dificilmente somos capazes de imaginar que se possa ser civilizado de outro modo. Por esta ordem de ideias, Fulano, que tem tudo o que se possa imaginar de bens materiais, e a quem falta tudo o que se possa imaginar de princípios morais, é imensamente considerado, objecto de admiração geral, a que se mistura a inevitável ponta de despeito. E, ainda que seja um pulha, a maior parte dos seus concidadãos inveja-o - e inveja-lhe a imensa "civilização".
Por mim, sem prescindir dos bens materiais que me permitem ter uma vida medianamente confortável, parece-me que é preferível ser civilizado de outro modo, desde logo não apunhalando o meu semelhante para daí colher benefícios pessoais. Porque o mundo está cheio de pessoas importantes, de pessoas "respeitáveis", a quem simplesmente falta aquela civilização que, acima de tudo, se baseia na ética. Como disse Saramago, o único verdadeiro progresso que existe é o progresso moral.

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