quarta-feira, 7 de julho de 2010

Livro de leitura da 3ª classe

Ao passar, olho a montra apenas de relance. Mas a capa dum livro prende-me o olhar: meninos sorridentes, pombas brancas voando no céu azul, bandeiras que a corrida dos meninos agita. Ao meio, bem maior que as outras, a da Mocidade Portuguesa, empunhada por um rapazinho fardado.
É ele: LIVRO DE LEITURA DA 3ª CLASSE. A água turva da memória agita-se. Ternura? Saudade? Dá-me vontade de folhear outra vez os textos que os meus dedos de menino percorreram aplicadamente. Uma vez, e outra, e outra.
Menino, sabes o que é a Pátria?
Somos um bando / De passarinhos; / Vimos agora / Dos nossos ninhos.
Lisboa tinham-na os moiros: / Quem lha havia de tomar? / El-Rei D. Afonso Henriques, / E os Cruzados a ajudar.
Minha terra, quem me dera / Ser humilde lavrador, / Ter o pão de cada dia, / Ter a graça do Senhor!
E, assim, foi o Douro quem, sujo e enlameado, chegou primeiro.
“Sabes tu, Gonçalo Nunes, de quem é esse castelo?”
“Palram pega e papagaio, / E cacareja a galinha…”
Passado o deslumbramento do reencontro, a triste realidade: do princípio ao fim, o livro era uma cartilha doutrinária, com o seu mundo tão pequeno, tão fechado, tão canhestro, tão falsamente harmonioso, tão bolorentamente patriótico.
Já não sou o rapazinho de oito anos, já não são os mesmos olhos que percorrem o livro. Mas saio deste encontro envolto numa suave melancolia. Oito anos...

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